Pique-Esconde

— 1... 2... 3... 4... 5... 6... 7... 8... 9... 10! Prontos ou não, lá vou eu; quem não se esconder é meu!

  Foi assim que começou a brincadeira que me desencadeou uma busca pela casa toda atrás de meus irmãos. Mike — o caçula de 5 anos — foi o mais fácil de achar, estava escondido debaixo da mesa, com seus olhos estalados no escuro. As crianças nunca sabiam se esconder direito, essa era a graça que eu via em jogar com elas.

  Estava frio àquela noite. Mike estava pouco vestido, e quando o encontrei tremia muito. Mas eu não me importei com isso, depois que eu achasse todos eles os levaria para um lugar muito mais frio do que o ar do inverno que estava tendo lá fora.
  Nossos pais tinham saído para trabalhar e haviam me dado a tarefa de cuidar dos meus irmãos. A babá estava doente, e como eu já tinha 17 anos e era o mais velho, mamãe disse que deveria aprender a ser responsável e segundo ela aquela era uma boa oportunidade para começar. O problema é que meus pais não costumavam prestar muita atenção em mim, e esse foi o primeiro maior erro deles; o segundo, foi deixarem as crianças sozinhas comigo.

  Assim que me vi sozinho em casa, tranquei a porta e convidei meus irmãos para jogarem o jogo comigo assim que anoitecesse... Eles adoravam pique-esconde, ou esconde-esconde, como eles chamavam. Mas acho que pique-esconde descreve melhor a brincadeira na qual brinquei àquela noite.
  Como eu já disse, Mike foi o primeiro a ser encontrado. Quando o avistei debaixo da mesa, de imediato não o revelei tê-lo achado... Apenas ri e passei reto, à procura dos meus demais irmãos.

  Derek — meu irmão de 9 anos — não estava longe, havia se escondido atrás da cortina branca da sala. Me bastou ver a sombra de sua silhueta para que o reconhecesse e me aproximasse cautelosamente. Peguei com firmeza a lateral da cortina e dei uma espécie de abraço no meu irmão, enrolando-o no pano... Eu queria impedí-lo de sair dali, mas ele pareceu interpretar o ataque de outra forma e começou a rir histericamente. Talvez tenha achado que era uma brincadeira. Crianças... Sempre tão inocentes...

  Em seguida arrastei meu braço pelo corpo dele até chegar em seu pescoço, onde o manti, apertando cada vez mais. Derek começou a se debater tentando puxar meu braço assim que se sentiu sufocado e maliciou a situação, e foi aí que puxei a faca que até então mantinha em meu bolso e em um furo certeiro a finquei em seu pescoço.
  No momento não senti remorso algum, mas quando soltei meu braço que o prendia e vi seu corpo cair no chão; quando me afastei e vi a cortina que era branca, já pintada de vermelho... Me dei conta de até onde minha insanidade havia me levado, e de para onde dali em diante ela me levaria: para dentro do quarto branco de um manicômio, ou, como veio a me ocorrer mais tarde... para a cela de uma prisão.

  Depois do choque momentâneo de ter pela primeira vez matado alguém, continuei a "brincadeira", à procura da última criança que me faltava encontrar: Beth, minha irmã de 11 anos. Ela sempre fora melhor no jogo do que os outros dois, e daquela vez não foi diferente. A procurei por toda a casa, mas ela parecia ter se escondido muito bem, então acabei parando e fui atrás de Mike de novo.
  Quando voltei ele ainda estava debaixo da mesa, me abaixei e revelei encontrá-lo e ele foi saindo de mansinho, sem nem imaginar o que eu havia feito com nosso irmão no cômodo ao lado. Ele também não notou a faca ensanguentada na minha mão — ou talvez tenha notado mas não tivesse idade o suficiente a ponto de entender o que ocorrera —, a única coisa que fez foi sair de seu esconderijo e se pôr de pé ao meu lado enquanto ria por eu tê-lo achado. Eu até cheguei a rir com ele, mas a graça que eu via era muito diferente da que ele imaginava ser. Enquanto ele ria lhe fiquei a faca nas costas... ela atravessou até seu peito e ele caiu de joelhos no chão, ainda sorrindo até o momento de fechar seus olhos pra sempre.

  É monstruoso descrever isso. Eu sei... Mas quando você é jovem e passa por crises e problemas pessoais sem receber auxílio ou a atenção de alguém; quando ninguém percebe que sua mente não é mais a mesma e seus pensamentos não estão envoltos em ética ou ninguém tenta te ajudar; às vezes você não consegue se reerguer sozinho. E sua sanidade se esvai, como se fosse um litro de água pingando de gota em gota contra o chão. Até que o último pingo caia, e você se veja vazio, e completamente insano.

  Após friamente matar Mike, carreguei seu corpo até o porão, e o mesmo fiz com o de Derek. Tínhamos algumas bugigangas de mamãe guardadas lá... Armários antigos, um freezer velho e diversas outras coisas das quais ela não se livrava por motivos materialistas. Quando desci pela segunda vez encontrei Beth no meio daquilo. Só percebi onde se encondia pois quando desci com o corpo de Derek ouvi passos correndo para o escuro em que estavam as bugigangas. Ela havia me visto estrar com o cadáver de Mike, e aparentemente havia ido até ele assim que sai para buscar o de Derek.

  Assim que a encontrei a levantei pelos cabelos. Ela gritava para que eu parasse e me perguntava o porquê daquilo tudo, mas eu não podia responder o que nem eu sabia. Apenas levantei minha faca mais uma vez e finquei-a na lateral de sua cabeça antes mesmo de que ela se levantasse por completo. Seus cabelos louros e cacheados ficaram entrelaçados em meus dedos, seu corpo cedeu ao chão e eu puxei a faca — com muita dificuldade — da matéria dura de que era feito seu crânio.

  Faltavam aproximadamente 2 horas para que meus pais chegassem. Eu tinha que limpar tudo e me livrar dos corpos para tentar esconder as provas que me levariam a acusação de culpado mais tarde... Encontrei um machado velho no meio das ferramentas de papai que estavam dentre as bugigangas guardadas no porão, foi com ele que esquartejei os corpos de meus entes falecidos. Picando tudo em pedaços de forma que coubessem no grande freezer que no porão também estava. Lá os deixei, picados e escondidos... até a hora em que a polícia os encontrou.

  Mas antes de me descobrirem como o responsável pelo crime, consegui enganar a polícia e minha família por algum tempo com a estória de que havia saído para comprar algo e quando voltei meus irmãos haviam desaparecido. Eles não haviam feito uma busca completa na casa, imaginavam que eles tivessem sido roubados por um maníaco que alguns anos atrás havia sequestrado algumas crianças na cidade e ainda não tinha sido pego. Só me descobriram quando os corpos começaram a feder tanto que o cheiro infestou a casa toda... Mamãe estava de licença no serviço por conta do ocorrido, então eu não havia tido oportunidade de me livrar dos cadáveres corretamente e isso foi o que contribuiu para que a verdade viesse à tona.

  No final, a brincadeira de pique-esconde acabou me levando para trás das grades, à julgamento com possibilidade de cadeira elétrica e me ensinando uma valiosa lição: Caso você mate alguém... o pique, o esconda, mas não esqueça do mais importante:
se esconda...


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