Quando criança, morei minha infância inteira em uma casa velha, caindo aos pedaços, que ficava em uma área bem rural da Califórnia. Eu era bem sozinho, e foi assim até meus seis ou sete anos... Não haviam muitas escolas pela redondeza, então, fui forçado a estudar em casa, o que me tornava uma criança muito carente, tanto de amigos, quanto de familiares. As únicas pessoas com quem eu convivia eram meus pais e meu mascote, meu gato Freddy, cujo nome foi dado em homenagem ao filme de terror mais famoso da época: A Hora do Pesadelo. Freddy era meu fiel companheiro, o único com quem eu conversava já que meus pais nunca tinham tempo para mim. Com o tempo passei a não me contentar em conversar apenas com meu animal de estimação, que obviamente, assim como todo animal doméstico, não respondia.
Em uma noite em que meus pais sairam para relaxar, assim que me vi em casa sozinho, acabei por fazer uma nova amizade, para ser mais exato, a primeira. Era um garoto de aproximadamente dez anos de idade, segundo ele, se chamava Garold. O conheci na cozinha de minha casa, tudo indicava que ele havia a invadido... Quando desci as escadas para beber um copo de suco me deparei com ele, sentado em uma cadeira na mesa de jantar, virado para a pia da cozinha, de costas para mim. Ao virar-se pude ver seu bizarro rosto fino, coberto de cicatrizes, que indicavam já ter sofrido algum tipo grave de queimadura, por serem muito escurecidas. Seus lisos cabelos eram tão negros quanto seus olhos, suas roupas esfarrapadas e sujas indicavam já ter passado por algo marcante, além de velhas e manchadas elas passavam imagem de que ele tivesse sobrevivido a algo terrível.
Eu era apenas uma inocente criança, não ligava para o fato de aquele garoto ter aparecido do nada em minha casa vestido como alguém que voltou da guerra, então tive como minhas primeiras palavras as seguintes:
— Você quer brincar comigo?
Garold respondeu de forma positiva, acenou com a cabeça em sinal de sim, sorrindo e levantando... Ele veio em minha direção, fugi e assim iniciamos uma longa brincadeira de pega-pega pela casa toda. A noite foi longa, e assim que meus pais chegaram fui obrigado a ir para a cama, meu pai disse que estava tarde e eu nunca desobedecia a suas ordens, então, parei a brincadeira e fui dormir, esperando continuá-la no dia seguinte. Naquela noite Freddy não voltou para casa, imaginei ele ter ido dar uma volta, como todo gato costuma fazer durante a noite, então, de imediato decidi não falar nada para minha mãe, tanto de Garold, quanto dele.
Assim que acordei na manhã seguinte vasculhei a casa toda à procura de Freddy, e também de Garold, pois ele também havia sumido... Mas não encontrei nem sinal de nenhum dos dois. Então decidi contar sobre meu novo amigo para minha mãe, esperando que ela pudesse ter alguma informação sobre eles. Ela não me deu muita bola, e assim que falei sobre Garold e perguntei se ela havia o visto, ela me deu um leve sorriso e pronunciou as seguintes palavras:
— Você tem a imaginação muito fértil, meu filho...
Achei normal ela não acreditar e pensar ser alguma loucura de criança, mas Garold pareceu não ter gostado. Ah, sim... Eu encontrei Garold, assim que terminei a conversa com minha mãe olhei para detrás dela enquanto ela lavava a louça. Eu o vi parado, encarando minha mãe com um olhar sério e eu diria um tanto raivoso, por ter sido intimidador até para mim... Minha primeira reação foi correr para abraçá-lo, e isso de fato, incomodou muito minha mãe.
— Garold! Onde você estava? Você sumiu, te procurei pela casa toda... - disse enquanto apertava seus ombros com um abraço forte e feliz.
Minha mãe parou imediatamente de lavar a louça e me olhou assustada, segundo ela, eu estava abraçando o ar, não havia ninguém além de eu e ela na cozinha. Não acreditei, como isso era possível? Eu sentia o abraço de Garold, eu estava agarrado em seus braços, nós éramos amigos... Julguei ela estar ficando louca, então subi as escadas junto a Garold e iniciamos uma brincadeira de esconde-esconde no andar de cima, o jogo rendeu a tarde toda. E à noite, com a chegada de meu pai, fui chamado para conversar na sala, eu ainda estava brincando, então interrompi a brincadeira com meu amigo, que não ficou muito feliz.
Desci as escadas e o jantar estava à mesa, me sentei junto a meu pai e minha mãe, Garold sentou na cadeira à minha frente, e logo que me servi, meu pai começou a falar:
— Eu já te falei que você já está bem grandinho para ficar com essa de inventar pessoas!
— Mas papai...
— Vá já para o seu quarto! - me interrompeu de forma rígida, não me deixando nem me alimentar.
Baixei a cabeça e olhei para o assento a minha frente, onde estava Garold, que não gostou nada da rigidez do meu pai... Saí da cadeira e subi para o meu quarto, de lá pude ouvir minha mãe tentar acalmar meu pai:
— Calma, am...
— Que calma, Stella! Esse menino quase te mata de susto mais cedo! - ele terminou a conversa e durante o restante da noite não ouvi nem sinal deles.
Eu não conseguia dormir, Garold ficou a noite inteira repetindo que queria machucar meu pai, como se estivesse esperando minha permissão...
— Não! Você não pode fazer isso, mamãe ficaria triste... - acabei me irritando e me obrigando a respondê-lo.
— Mas eu não gosto dele... Ele trata você mal... - resmungou Garold, abrindo a porta do quarto que rangeu levemente.
Minha mãe se dirigiu até meu quarto assim que percebeu que meu pai havia adormecido, ela me consolou, perguntou se eu tinha notícias de Freddy e procurou saber se Garold estava conosco no cômodo.
— Não mamãe, ele está no andar de baixo!
Assim que respondi escutei um miado vindo do primeiro piso... Corri imediatamente para a sala, imaginando ser meu gato finalmente voltando para casa depois de dois dias fora. Mas ao abrir a porta principal não vi nem sinal de meu gato e muito menos de Garold... Decidi procurar pelo quintal, então saí de casa e de tanta saudade que estava de Freddy acabei por nem perceber que a gaveta dos talheres estava aberta e Garold não estava em nenhuma parte da casa. Andando pelo quintal chamei diversas vezes o nome de Freddy e não obtendo sucesso em encontrá-lo acabei por decidir olhar nos fundos da casa, por detrás dela... Me surpreendi ao me deparar com o corpo de Freddy jogado ao chão, em meio a grama e com seus antes pêlos brancos e sedosos completamente tingidos de um vermelho-rubro que manchava a grama de sangue junto a meu tão amado mascote. Freddy estava morto, coberto de cortes que iam de sua cabeça às patas traseiras, derramando ainda mais sangue fresco na poça em que estava deitado, dentre a grama e a escuridão da noite.
Meus olhos imediatamente se cobriram de lágrimas e em um momento de quase surto e transtorno emocional olhei para trás e parado próximo à lateral da casa, vi Garold, segurando uma faca com a lâmina extremamente ensanguentada, tudo indicava que havia sido ele o assassino de Freddy. Garold me encarou por alguns instantes e se virou, parecendo voltar para dentro de casa, eu o segui... Ele sentou à mesa e aquela foi a primeira vez que vi minha mãe olhar diretamente para ele. Ela parecia em choque, e assim que saiu de sua paralisia momentânea de susto e surpresa, ela correu pelas escadas em direção ao quarto, provavelmente com a intenção de acordar meu pai. Enquanto isso, fui me aproximando do meu amigo psicopata que estava sentado à mesa, no mesmo lugar onde havíamos nos visto pela primeira vez, comecei a questioná-lo sobre o que ele havia feito:
— Por quê? Por quê você matou Freddy, por quê você fez isso, ele era meu amigo! Vamos Garold! Me fala! - perguntei zangado, enquanto soluçava.
— Ele atrapalhava nossa amizade... Seu pai também faz isso! Por favor...
— Não! Eles são minha família, você não pode fazer isso! Saia já daqui. - o expulsei interrompendo sua fala, apontando para a porta, simbolizando que saísse.
— Eu vou voltar... E no final seremos só nós dois! - disse Garold me olhando de forma ameaçadora e séria, enquanto se levantava da cadeira e ia embora de maneira intimidadora.
Meu pai não acreditou em nenhuma palavra que eu e minha mãe dissemos sobre o que aconteceu... E ainda fui forçado a frequentar um psicólogo e acusado de matar meu gato. Durante uma consulta o doutor pediu que eu fizesse um desenho de Garold, achei que seria legal também desenhar Freddy, então pedi permissão e o apresentei... Semanas foram se passando e foram todas tranquilas, até que em uma noite eu estava me preparando para dormir e ao olhar para o quintal pela janela de vidro, vi Garold parado do lado de fora da casa, no meio da grama, me observando através da janela... Fui dormir, pois imaginei estar vendo coisas, ser o sono me pregando peças. Mas acabei por ser acordado por minha mãe gritando na mesma noite, e quando fui ver do que se tratava, vi meu pai jogado ao chão do banheiro, coberto de facadas e com a língua cortada... Ver o corpo de meu pai ensanguentado e jogado ao chão sem vida me causou um grande pavor. Me virei de costas e andei em direção ao corredor que nos levava aos quartos e fui descendo as escadas lentamente, tendo processar a ideia de que meu pai havia sido assassinado... Foi quando vi Garold, parado no meio da sala me olhando fixamente descer os degraus.
— No final seremos só nós dois... - foi a única coisa que ele disse assim que percebi sua presença.
Logo que pronunciou a mesma frase que falou na noite em que matou Freddy, Garold deu as costas e foi embora... Os policiais encerraram o caso assim que viram que não conseguiriam condenar minha mãe, que um dia depois da morte do meu pai, descobriu estar grávida e por muito tempo não vi mais Garold, até o dia do nascimento do meu irmão, que logo que vi pela primeira vez notei sua profunda semelhança com Garold, que só esteve presente até a hora do parto... Coincidência ou não, achei bastante intrigante, mas fiquei feliz em ter ganhado alguém novo para conversar, mesmo que ainda não entendesse bulhufas do que eu dissesse...
Minha mãe faleceu anos depois, no dia em que meu irmão completou dez anos, em um incêndio que até hoje não foi descoberto o que causou aquele fogo todo, matando minha mãe e meu irmão... De qualquer forma, talvez Garold estivesse certo...
No final só sobramos eu e ele!
CONTINUA...
Gostei
ResponderExcluircaraca o final!!!! muito bom
ResponderExcluirMuito bom 👏🏻👏🏻
ResponderExcluirAmei vey divou !!
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