A Carta de Alguém

Esta é a carta de um suicida. Ou melhor, homicida. Ou será somente a carta de alguém? Talvez seja só isso que eu sou: alguém…

 Por muito tempo eu não fui nada, por muito tempo eu não existi, por muito tempo fui ignorado, por muito tempo eu insisti. Eu insisti em chamar a atenção, mesmo sabendo que eu não a teria. Por muito tempo tentei ser notado, mas eu nunca tive sucesso com isso. Bom, até agora.

 Eu ia para a escola e não tinha amigos, eu tentava contato com todos, mas ninguém ligava. Eu era ignorado pela minha família, meus colegas, eu perdi meus amigos e até hoje não sei o motivo. Eu fui ignorado, e não sei porquê. Comecei me cortando, me privando dos amigos, me escondendo, e eu não sei o motivo. Talvez eu saiba, talvez eu precisasse de ajuda, talvez precisasse que alguém viesse e mostrasse que se importava comigo.

 Minha namorada me largou, e eu larguei a tudo. Larguei os amigos, evitei a família, me escondi do mundo pensando que ele me acharia. Mas quando me dei conta de que eu que tinha de descobrir o mundo, ele se virou contra mim. Todos me ignoraram, me abandonaram, me evitaram. Tudo o que vi foi eu sozinho, ou melhor, eu e o mundo, eu tinha que o conquistar. Eu devia o recuperar. Mas eu parei e pensei: será que tenho forças para isso?

 Eu pensei que estava perdido, mas foi assim que eu me perdi. Eu desisti, eu me toquei naqueles sentimentos ruins, eu os abracei, eu me libertei. Jurei vingança àqueles que nem para mim olhavam mais, e foi assim, os matei, um por um.

 Comecei por minha ex, ela gritou, mas eu não hesitei, fiquei uma faca em seu peito até ver seu coração parar, vê-la cair ao chão, e assim eu ri, diante do seu cadáver eu ri. Eu não senti remorso, é como se tudo o que eu sentia por ela se fosse junto a sua vida.

 A segunda foi minha mãe, que morreu dormindo, ela não merecia sofrer. Talvez fosse a única que de certa forma ainda me amasse, então com a mesma faca que eu havia matado minha ex, matei minha mãe. Um furo certeiro na testa, outro furo em minha alma.

 Meu pai foi o próximo, morreu gritando, morreu de dor, pus fogo na cama onde ele dormia, o vi queimar, assim como eu vou, no fogo do inferno.

 Meus amigos costumavam ficar depois da aula, eles estudavam no refeitório da escola quando vazia. Então esperei isso acontecer e com a arma que havia roubado de meu pai, que trabalhava para a Brigada Militar, os surpreendi. Eles tentaram conversar comigo, me acalmar, se desculpar, mas eu sabia que os malditos só estavam tentando preservar a própria vida, então eu atirei. Atirei na cabeça de cada um, ao todo eram três, comigo seriam quatro. Mas quando eu estava prestes a me matar, não tive coragem. Corri para casa e estou escrevendo esta carta, se você a encontrou, eu já estou morto, já devo ter me enforcado na corda pendurada no ventilador de teto do meu quarto.

 Só digo-lhe uma coisa: se você tem amigos, não os deixe, não são todos que ignoram aos demônios que o cercam.

 E aí? O que acha, homicida ou suicida? Talvez eu só seja os dois...

By: natyh


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