A Carona [Parte 1]

Inspirado em fatos reais...

●●●

  Tudo começou com um convite de minha mãe para que eu e minha irmã fôssemos jantar em sua casa. É, posso dizer que o início foi esse já que, se não fosse por isso, eu e Natieli(minha irmã) não teríamos passado por nada do que viemos a presenciar naquela noite. Com o convite aceito e com o fato de que minha irmã gosta muito de cozinhar, quem veio a preparar a refeição havia sido ela e, justamente por esse motivo, acabamos por sair tarde da casa de nossa mãe. E essa foi a origem de todo o problema que veio a seguir.
  Logo na despedida, houve um incidente próximo a onde minha mãe mora. Haviam gritos de meninas e uma grande confusão em um beco e, com isso, um de meus irmãos subiu em uma árvore para tentar enxergar o porquê daquele berreiro todo. Ele disse se tratar de algo como uma moto ou uma bicicleta que havia batido em um carro. Então, como já estávamos de saída, eu e minha irmã pudemos ver quando um veículo cinza(o envolvido no tumulto) deixou a área do possível acidente, e se direcionou rumo ao sentido contrário ao qual eu e ela seguiríamos na rua.
  Eram mais ou menos 23:00 quando deixamos a casa de nossa mãe e seguimos para casa... No caminho, um carro cinza muito parecido(talvez igual) com o do possível acidente passou devagar por nós, ele tinha uma porta amassada e isso o fazia bastante reconhecível caso viéssemos a vê-lo de novo. Como veio a acontecer.
  O caminho que liga nossa casa à casa de nossa mãe é um tanto extenso, eu estava entretida contando a minha irmã uma leitura sobre lendas de gatos espalhadas ao redor do mundo cuja eu havia visto em uma comunidade do próprio Amino Apps, porém, não pude deixar de notar quando o mesmo carro passou por nós uma segunda vez. E, como nós duas costumamos prestar bastante atenção nos detalhes à nossa volta e tomamos muito cuidado ao andar na rua em horários "mortos", ao ver o mesmo veículo pela segunda vez trocamos olhares e sussurramos o possível perigo que estava por vir.
  O carro foi diminuindo a velocidade a medida em que o fim da rua se aproximava. Até que, ele fez uma parada na esquina, à espera de nós duas... Nós já sabíamos que o próximo ato do motorista seria baixar o vidro fumê e fazer o clássico convite "Vocês querem uma carona?" que pessoas de más intenções costumam fazer. E, como de se esperar, foi exatamente isso o que aconteceu.
  Eu continuava falando sobre as lendas de gatos mesmo que estivesse repetindo como um gravador, pois, além de a ansiedade ter me consumido, acredito que não manter silêncio diante de uma situação daquelas seria a melhor opção. O silêncio pode facilmente indicar tensão, e não gostaríamos de passar ao criminoso a ideia de que éramos ovelhinhas no pasto com medo do predador, não é mesmo?
  Ao ele abaixar a janela do carro e fazer o convite previsível, minha irmã de imediato respondeu de forma educada por nós duas um "não, obrigado..." . Já eu, apenas olhei para dentro do veículo a fim de ver o rosto do sujeito e, de fato, fiquei bastante surpresa. O indivíduo era extremamente parecido com um dos maiores ícones do terror, o famoso Freddy Kruegger. Era velho, branco, com um rosto fino, enrugado... Essa coincidência chega a ser engraçada visando o fato de que eu e Natieli somos fãs do gênero, mas, quem conhece o "tio Freddy" sabe muito bem que de engraçada em sua aparência não há definitivamente nada.
  Após a troca de palavras fomos seguindo adiante torcendo para que a perseguição tivesse tido fim na recusa de entrar em seu carro. Mas, todos sabemos que não há nada que deixe um psicopata ou "doente" mais revoltado do que uma negação, concordam?
  À medida em que fomos deixando a esquina da rua ele veio dirigindo logo atrás, em velocidade moderada. E, quando estávamos na outra ponta da encruzilhada — na esquina que dava início a outra parte da rua —, minha irmã teve a ideia de virarmos a esquina ao invés de seguirmos reto rumo a nosso lar. Se essa decisão tivesse sido um teste de se ele iria ou não continuar nos seguindo, o cara estaria com toda certeza, estaria reprovado. Logo que viramos a esquina ele virou também, mas aumentou a velocidade e fez uma pausa na esquina seguinte, que é uma avenida, onde sabia que teríamos que passar e que teria sua chance de nos perturbar mais uma vez.
  Só que eu e minha irmã decidimos disfarçar já que haviam uma mulher e seus filhos na metade da mesma rua, então, conversamos com a moça e explicamos o que estava acontecendo e que ele estava nos esperando logo adiante. A ajudamos com suas sacolas até em casa a fim de fazê-lo pensar que quando nos viu na rua estávamos indo ao encontro daquela mulher, aliás, se não o despistassemos provavelmente ele iria nos abordar no caminho ou nos seguir até em casa a fim de descobrir nosso endereço. Ao ver que estávamos voltando o caminho, ele seguiu, dobrando a avenida e sumindo do nosso campo de visão.
  Levamos a moça até em casa e pegamos um caminho diferente a fim de ele não nos encontrar mais. Porém, de qualquer forma teríamos que atravessar a avenida na qual ele havia seguido, então minha irmã me pediu que eu prendesse meu cabelo devido a ele ser muito grande e só pelo comprimento já seria possível ele me reconhecer de longe. Fiz o que ela me pediu e enquanto atravessavamos a avenida, muitas vezes vimos um carro parecido(ou igual, não sabemos) com o dele rondar o local. Mas, com muito cuidado chegamos em casa seguras, na torcida para que tenhamos mesmo despistado o sujeito, e na torcida para que a próximas pessoas a quem ele persiga também consigam despistar.
  Após uma noite de sono eu e Natieli sentamos para conversar sobre o ocorrido. Ambas acabamos por compartilhar a mesma preocupação: o criminoso continuava à solta, logo ele teria sucesso em fazer alguma vítima, logo alguém sofreria pelas mãos imundas dele. Então, nós duas acabamos por questionar se de algo adiantaria avisar a polícia local — esta que só possui uma viatura em atividade a meses e que geralmente nem atende as ocorrências — e, depois de chegar a uma opinião conjunta de negação, nós duas acabamos por idealizar algo em tom de brincadeira mas que possuía um fundo de verdade: Deveríamos matar aquele infeliz e fazê-lo pagar em nome de todos aqueles que foram, e que ainda seriam, suas vítimas.
  Nós duas, após concordarmos com tal ideia, viemos a dialogar com mais seriedade sobre o assunto logo depois... E foi nessa conversa, depois de muito discutir o caso, que a decisão foi tomada: não informaríamos a polícia, faríamos justiça com as próprias mãos.
  Assim, com a chegada da noite eu pus um estilete preso ao tênis e escondido pela calça em meu calcanhar. Enquanto Natieli, prendeu uma faca na cintura e escondeu-a com a blusa, tapando a arma por completo para que seguíssemos rumo a casa de nossa mãe novamente, à espera do mesmo horário do dia anterior... à espera de que viéssemos a encontrar aquele "cosplay natural" do Freddy Kruegger novamente.
  Dadas 23:00 nos despedimos da família e seguimos pela estrada mais uma vez. É claro, sem nem sequer ter mencionado durante a visita o que ocorrera na noite anterior... Manter segredo era o combinado entre nós duas.
  Não demorou muito para que no caminho para casa o mesmo carro passasse por nós. A porta amassada foi o que nos fez identificar o veículo, além de ter sido o que nos deu a certeza de que havíamos tido sucesso ao caçar nosso caçador. Ele ao nos avistar fez o mesmo percurso do outro dia, parando na mesma esquina na qual havia nos feito o convite da última vez. Visto isso, apertamos o passo enquanto jogávamos conversa fora para que ele não percebesse que já havíamos previsto aquele reencontro. Quando estávamos prestes a passar pelo seu carro ele nos abordou com um chamado, mas desta vez, forjando estar perdido e precisar de alguma informação... Nos aproximamos do veículo e ele fez suas perguntas falsas de onde se localizava determinada rua. Entramos no seu jogo e respondemos com devida educação e paciência... Ele nos agradeceu e por fim, repetiu a pergunta do dia anterior: "Vocês querem uma carona?".
  Desta vez acenamos positivo com a cabeça e dissemos que era uma longa caminhada dali até em casa, ele apenas sorriu com seus dentes amarelados e destrancou as portas que davam acesso ao banco de trás. Nós duas nos entre-olhamos e minha irmã abriu a porta para que entrássemos no veículo do indivíduo medonho... Mal sabia ele que o sorriso que dera, havia sido para sua morte.


Comentários