A Carona [Parte 3]

    Minutos foram se passando e eu me manti em silêncio durante todos eles. Minha cabeça ainda doía devido a pancada que levara dentro do carro, mas mesmo assim, eu me perdia em pensamentos e planos do que fazer com aquele indivíduo desprezível ao qual havia me capturado. Sendo assim, quando a porta se abriu novamente eu já estava preparada para o pior... Eu já estava preparada para fazer com que o machucado em minha cabeça tivesse valido a pena
    Ao ouvir passos se aproximando e ver uma sombra por baixo da fresta da porta, a primeira coisa que fiz foi me levantar devagar com meu canivete apunhalado e me pôr detrás da mesma, aguardando que meu carcereiro entrasse. E quando o fez, foi direto em direção à menina que ainda se mantinha desacordada encostada na parede do recinto. Ele só veio a perceber minha ausência na metade do caminho, quando estava no centro do quarto, quando fechei a porta e se viu perdido no escuro. Eu finalmente estava a um passo à frente dele naquele joguinho sujo de quem mataria primeiro
    Ao se ver no escuro após o som da porta se fechar, ele pensou o que eu queria que pensasse. Se dirigiu a porta e saiu às pressas, imaginando eu ter fugido a fim de resgatar minha irmã. Sem nem mesmo perceber que eu o observava de um canto do quarto, ele deixou a porta destrancada, talvez pelo fato de a menina estar desacordada e não haver risco de mais uma fuga.
    Ela parecia dopada, talvez ele tivesse a medicado para que dormisse enquanto brincava com seu corpo. Pus seu braço detrás de meu pescoço a fim de carregá-la daquele lugar antes que ele viesse a perceber que eu o havia enganado. Dei alguns passos com dificuldade, ela era mais pesada do que eu imaginava. Perdi as contas de quantas vezes pronunciei a palavra "merda" ao perceber que não haveria tempo para carregá-la antes que ele voltasse. Encostei-a na parede enquanto prometi que voltaria para buscá-la... Eu sabia que era loucura falar com alguém desmaiado esperando que ouvisse mas, foi a forma de não pesar minha própria consciência com irresponsabilidade.
    Antes de pôr meus pés para fora da porta tirei meus sapatos e espiei para ver se ele estava por perto. Quanto a isso, dei de cara com um corredor extenso e um pouco mais que sombrio. Acima dele uma luz florescente piscava como se fosse o alerta de alguém pedindo socorro. Uma, duas, três piscadas seguidas e se mantia acesa por alguns instantes... Mais uma, duas, três piscadelas e ela apagava por alguns segundos. Aquilo sem dúvida era um tanto sinistro e desesperador.
    Peguei a direita no corredor e segui à procura de minha irmã. Natieli não deveria estar longe, seu grito parecia ter vindo de perto, talvez ela estivesse presa em algum quarto como o que eu acabaria de sair. Então caminhei a passos largos observando as peredes em busca de alguma porta, não demorou muito para que eu achasse não só uma, mais várias. Todas idênticas umas às outras. Meus olhos se arregalaram, e se houvessem mais meninas presas naquele cativeiro do qual eu tanto desejava sair?
    Uma indecisão atormentou minha mente, o que era o certo fazer? Dar prioridade a descobrir se haviam mais vítimas vivas ou ir atrás de minha irmã e matar o homem que havia nos levado àquele pesadelo real? Por um momento eu questionei qual seria a escolha certa, mas não havia tempo para desperdiçar com pensamentos confusos. Afinal, como eu abriria as portas se houvessem mesmo pessoas dentro? Eu estava sem a chave, então o lógico venceu minha mente. Eu devia priorizar matar ele, assim pegaria as chaves, libertaria as supostas prisioneiras, e finalmente iria para casa descansar a vitória por ter tido uma sucessiva vingança.
    Segui pelo corredor, havia uma porta no final dele, eu esperava encontrá-lo por lá, mas ao passar pela mesma continuei a não ver nem sinal do homem a quem procurava. A única coisa que vi foi um rastro de sangue e mais uma das luzes florescentes que pareciam pedir socorro. Estas que talvez fossem a única coisa naquele lugar que eu havia comparado com casualidades e achado engraçado. Mas naquele cômodo realmente tinha alguém que precisava de ajuda, e eu torcia para que esse alguém não fosse a minha irmã.
    O rastro se estendia pelo cômodo, apenas fazendo uma curva que levava a outra porta, mas esta, entreaberta. Caminhei até a porta com cautela enquanto segurava meu canivete e mantinha minha mão escondida às costas. Minha mente repetia frequentemente uma reza para que o sangue não fosse de minha irmã, até que eu finalmente vi a origem do rastro. Vi onde estava Natieli.
    Ela estava sentada de costas para uma parede e segurava sua faca na mão enquanto esfregava o rosto sujo de sangue. O cômodo era uma cozinha, ao lado lado esquerdo de minha irmã havia um refrigerador entreaberto e ao direito o corpo de um rapaz esfaqueado. Natieli levantou sua cabeça ao me ver, olhou para o garoto jogado ao chão, sorriu e finalmente pronunciou algumas palavras enquanto se levantava:

— Vamos, ele não deve estar longe! Temos que buscar aquelas crianças antes que ele nos encontre e elas fiquem para trás! 

  Olhei em seus olhos um pouco surpresa, parece que eu não era a única que sabia me virar sozinha. Olhei para o rapaz no chão, estava coberto de facadas no peito e na barriga, parte de suas tripas estavam para fora à mostra e havia uma grande poça de sangue abaixo dele. Respirei fundo e olhei à minha volta, foi assim que notei algo bastante familiar em cima da pia. Uma perna de criança, um cutelo ensanguentado e uma pequena porção de pele empilhada estavam formando um conjunto doentil que provavelmente mais tarde serviria para matar a fome de alguém."Estupro não era o suficiente...", pensei enquanto suspirava e me preparava para dirigir a palavra a minha irmã:

— Precisamos das chaves, elas devem estar com ele, temos que...

— Estas daqui? — Natieli me interrompeu enquanto sacudia o molho de chaves na altura da minha cabeça — Elas estavam com o embuste ali. — terminou, sinalizando a cabeça na direção do rapaz morto.

  Saímos da cozinha e voltamos o caminho, haviam vítimas esperando pelo nosso resgate, quanto antes as resgatássemos, mais rápido terminaríamos nosso trabalho e poderíamos voltar para casa.


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