Andando pelo corredor com o molho de chaves em mãos, Natieli parecia um pouco nervosa... ansiosa talvez. Provavelmente também passava pela sua cabeça a dúvida — ou preocupação, se assim preferir — de onde o maníaco, estuprador, canibal e sósia do Freddy Kruegger estaria para até aquele momento não o ter encontrado pelos corredores daquele sufocante lugar.
Quando chegamos em frente às portas onde imaginávamos haver mais meninas, nos surpreendemos ao abrir as quatro primeiras: eram quartos vazios, realmente idênticos ao qual eu antes estava, mas dois deles estavam cobertos de sangue, e todos cheiravam muito mal. A partir do quinto quarto, vieram as surpresas.
Havia uma garota no quarto número cinco, estava acordada, amarrada pelo pescoço com correntes presas a uma argola na parede; ao nos ver, se aproximou engatinhando como se fosse um cachorro, pedindo que fosse liberta. Não podíamos negar isso a ela, era para aquilo que estávamos lá, afinal. Mas confesso que aquela cena me fez perceber que é impossível adivinhar a quantidade de maldade que se pode encontrar em um só lugar. Naquele momento, dei-me conta de que poderiam haver muitas outras surpresas pela frente e, realmente, houveram.
Enquanto libertava a garota, prestei bastante atenção no ambiente em que ela estava, e, apesar de o quarto ser idêntico àquele em que eu havia acordado, havia algumas peculiaridades nele, como se fosse um tratamento diferenciado. Havia um cobertor no chão — parecia servir de cama para ela — um prato plástico ao lado, que parecia ter a função de servir para dar-lhe comida e uma garrafa d'água quase vazia. Fora o fato de que a menina, que deveria ter seus 13 ou 14 anos, estava totalmente limpa. Diferente daquela que eu havia deixado desacordada na "cela" da qual havia fugido.
Assim que libertei a garota, Natieli, ela e eu seguimos para o sexto quarto, esse que ao abrir ficamos apavoradas. Ele continha presas três meninas e uma mulher, ambas em condições extremamente péssimas: estavam, além de sujas e feridas, magras de uma maneira que era impossível não perceber que fazia um bom tempo que estavam em cárcere e se alimentavam pouco, o que só reforçou a ideia de que a garota do quarto 5 recebia um tratamento especial de seu opressor.
O sétimo quarto era o mesmo em que eu havia despertado. Como eu o tinha deixado aberto, apenas empurramos a porta e nos dirigimos até a menina que eu havia deixado desmaiada no canto do mesmo. Ela já estava acordada, mas não havia se dado conta de que a porta estava aberta desde então, então lhe ofereci ajuda para se levantar, enquanto minha irmã e as demais meninas vigiavam a porta... Aquele era o último quarto, não havia outros, mas ainda havia uma última preocupação rodeando nossas mentes: onde estava o nosso carcereiro? Onde estava o nosso alvo? Essa questão foi respondida assim que começamos a andar pelos corredores em grupo.
Voltamos o caminho que havíamos percorrido da cozinha até as celas, mas ao invés de virar e seguir o rastro de sangue do rapaz que Natieli havia matado, seguimos em frente em mais um corredor, cujo no final continha uma porta que parecia, finalmente, a porta de entrada e saída daquele pesadelo em formato de casa. Mas antes mesmo que pudéssemos chegar até o portal para aquele inferno, o nosso demônio disfarçado de gente deu as caras, saindo de um quarto do qual a porta dava para a metade do corredor. Ele foi se aproximando cautelosamente com um facão na mão esquerda e uma seriedade no olhar e na boca. Parece que ele havia se dado conta de que sorrir para a sua morte não era a melhor opção.
Natieli e eu nos pusemos à frente das meninas e ordenamos que elas corressem para a cozinha, se armassem por lá e ficassem preparadas, caso precisassem lutar contra ele. Talvez essa tenha sido a pior ideia que tivemos sobre aquilo tudo...
Ao se deparar com o jantar não finalizado que havia em cima da pia, a menina do tratamento diferenciado voltou segurando o cutelo que lá havia pegado, mas não foi para nos ajudar, e sim para tentar fazer o trabalho sozinha... O homem que a mantinha em cativeiro estava parado no meio do corredor, como se esperasse que a iniciativa de atacar viesse de uma de nós. Ela se dirigiu a ele, correndo como uma louca enquanto gritava em tom irritado:
— Aquilo não pode ser o que eu comia!
Foi assim que eu entendi a revolta repentina da garota, ele a alimentava com a carne das demais meninas que capturava. O motivo disso não sabemos, o porquê desse tratamento diferente, não fazemos ideia, mas uma coisa é certa: com certeza, fomos muito surpreendidas pela mente doentia daquele homem.
Quando ela se aproximou às pressas e levantou o cutelo para atacá-lo, o maníaco ergueu a mão e defendeu-se da menina, segurando seu braço e arrancando o cutelo de sua mão. Em seguida, ele a empurrou na direção da porta, pôs o objeto no chão e chutou-o na nossa direção, como se nos desafiasse a o matarmos.
Abaixei-me e peguei o cutelo enquanto lançava um olhar indagador para Natieli, como se estivéssemos conversando através dos olhos e a frase da vez fosse: Ele realmente fez isso? E havia feito.
Ao me levantar com o objeto em mãos, dei meia volta e voltei o caminho um pouco, seguida de Natieli, a fim de que ele saísse do corredor e deixasse o mesmo livre para que as meninas fugissem. Minha irmã arremessou o molho de chaves na direção da cozinha, enquanto fomos passando por ela, mas antes mesmo que tocasse o chão, uma das meninas o pegou. Continuamos voltando, ele vinha logo atrás com o facão em mãos. Houve um longo e compreensível temor da minha parte de que ele decidisse ignorar-nos e ir atrás das demais meninas, mas não aconteceu. Ele nos seguiu corretamente, talvez com nossa ideia de vingança pouco planejada tivéssemos ferido seu ego ou algo assim... Não sei. O que sei é que quando atravessamos a porta que nos levara até o corredor de celas, por alguns instantes, pudemos sumir do seu campo de visão, e esses instantes foram suficientes.
Pus-me ao lado da porta, de costas para a parede, à espera de que ele passasse descuidado, e eu finalmente pudesse me divertir ao ver seu sangue em minhas mãos. De fato, ele se descuidou ou talvez não tenha sido descuido, mas sim descrença de que duas garotas que haviam causado um grande alvoroço em sua casa fossem fazer algo tão antiprofissional e sem sentido como escorar-se numa parede ao lado de uma porta, a fim de fincar-lhe algo. Mas, veja bem: anti-profissional ou não, obtivemos sucesso com tal apronte.
Assim que ele passou pelo marco, lhe desferi alguns cortes com o cutelo que ele mesmo havia me jogado. O primeiro golpe em seu joelho, fazendo com que caísse ao chão, foi o suficiente para mantê-lo sangrando até que viesse o segundo. Este que foi em seu braço e que fez com que o facão que segurava deslizasse pelo chão na direção dos pés de Natieli, que mesmo fazendo movimento para pegá-lo, não o fez, apenas observou o dono estender o braço na direção do objeto, tentando alcançá-lo para tentar revidar o ataque. E após muito tatear, a mão do desgraçado estava quase alcançando o item, minha irmã finalmente entrou em cena, se abaixou e fincou a faca bem em cima da mão do sujeito, que urrou de dor e revirou seus olhos para o alto, para a luz florescente que pedia socorro, a luz de sua casa, do cativeiro de tantas garotas e agora a luz do seu mais novo cativeiro.
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