Bom, ao contrário do que deve ter se passado pela sua cabeça, devo dizer que tenho família. E, devo dizer também, que eles não são pobres, como você possivelmente deve ter imaginado. A verdade é que outros motivos me trouxeram para as ruas, e um deles — talvez o mais importante — é o fato de (como diz minha mãe), eu não ter talento algum.
O estopim para que eu me mudasse para cá se deu a pouco menos de um ano. E eu não o fiz por vontade própria, minha mãe me mandou para cá. O motivo? É o mesmo citado lá em cima, eu não possuir talento, algo que é inadmissível na minha família. Para eles, é como se fosse um castigo, ou um pecado, se assim preferir. "Pobres" coitados, nem imaginam o que seja um pecado de verdade... E muito menos um castigo, como este meu, de viver nas ruas.
Mas, voltando à minha vinda às ruas... Tudo começou durante um jantar em família — daqueles em que até parentes que você não conhece estão juntos a mesa —, com uma discussão. Um tio me perguntou na frente de todos o que eu esperava fazer da vida, e eu, com a mais pura e espontânea sinceridade, respondi não saber. Você deve imaginar o quão grave isto seja para uma família cuja riqueza sempre fora obtida com trabalho duro e talento nato, não é?
Assim que direcionei minha resposta o silêncio tomou conta por míseros 5 segundos na sala inteira, até ser quebrado em conjunto por todos rindo e comentando entre si eu ser a vergonha da família. Não podendo julgá-los idiotas(mesmo que sejam) pois todos presentes no momento eram de pintores a arquitetos bem-sucedidos, eu apenas me levantei da mesa e, após o dito vexame, me retirei para meu quarto.
No dia seguinte minha mãe me abordou pela casa, eu já esperava que isso fosse acontecer, mesmo que quisesse eu jamais teria como fugir dela. O que eu não esperava, era que a razão da abordagem fosse algo além de me xingar por tê-la feito "envergonhada" perante a família. Mas, você e eu sabemos que foi.
Ela começou me dando broncas por não ter nem sequer me despedido dos convidados. Ter sido insolente, segundo ela. Eu ouvi calado, não havia o que discutir, e se me atrevesse a isso, eu temia que ela fizesse algo pior — como me colocar para fora de casa. Irônico, não? Mas após muitas frases dispensáveis e desnecessárias de se ouvir, ela finalmente falou algo que me causasse alguma reação diante dos xingamentos.
— Você não escreve; não pinta; não sabe mexer com eletrônica; com tecnologia; não sabe cantar; não sabe atuar... Você não é bom em nada, não tem nenhum talento, e ainda por cima, não sabe o que vai fazer da vida?! Você já tem 18 anos, pegue suas coisas e arrume onde morar, você é um desgosto para mim. — foram as palavras dela.
É claro que eu não tinha onde morar, mas naquele momento considerei qualquer lugar melhor do que um ambiente onde me exigissem ser o que eu jamais seria. Então voltei meu olhos lacrimejados aos de minha mãe, acenei positivo com a cabeça, e disse que iria arrumar minhas coisas. Mas ela me negou isso, dizendo que dali em diante, eu deveria eu mesmo obter meus bens. Eu não sei o que ela esperava com isso, se era que eu implorasse por misericórdia ou que me objetivasse a dar a volta por cima para mostrar a ela que estava errada, mas eu dei meia volta e sai pela porta da frente, com um único objetivo, muito diferente do qual ela esperava... O objetivo de nunca mais voltar.
Desde então vivi nas ruas, de calçada em calçada, de esmola em esmola... Mas em pouco tempo as moedas doadas gentilmente por cidadãos de bem passaram a não suprir minhas necessidades. Me vi magro, sujo, esquelético... me vi me tornar como aqueles aos quais poucos meses antes eu podia dizer levarem uma vida contrária a minha. Virei um verdadeiro mendigo, e quando percebi isso, senti-me com o ego ferido.
— O que eu estou fazendo aqui? Dando à minha mãe a certeza de que estava certa?... Eu posso ter mais do que isso, eu vou. — assim pensei.
E no dia seguinte a este pensamento positivamente decidido, fui de estabelecimento em estabelecimento, à procura de algum serviço. Mas tudo o que consegui foram olhares de nojo, olhares de desprezo, olhares iguais aos de minha mãe para mim antes de minha ida às ruas. Mesmo que eu não estivesse - e não estava, é claro - apresentável, porquê as pessoas se importavam tanto com isso? Eu pedia trabalho, era alguém justo... Só isso já era o suficiente para se imaginar que eu faria por merecer. Mas infelizmente o mundo de hoje para muitas pessoas não funciona assim.
Passei dias insistindo na ideia de encontrar emprego. Mas quando se vive nas ruas, se vê de tudo... E algo que eu vi me fez desviar desse plano justo de trabalhar, e fez-me um verdadeiro criminoso. Eu vi um outro mendigo sentado na calçada do outro lado da rua. Estava escuro, já era noite, a rua estava vazia pois era pouco movimentada naquele horário. Ele contava notas de 10, de 20, de 50 dólares... Me questionei onde ele havia arranjado tudo aquilo, mas questionar a mim mesmo não responderia à pergunta em questão, então decidi me aproximar e perguntar a fonte daquela grana toda, pois de esmolas eu sabia que não havia de ser. Quando cheguei próximo a ele para conversar, ele me olhou rapidamente enquanto guardava o valor que eu imaginava ter sido roubado.
— O que cê quer? — ele me perguntou com um sotaque caipira.
Então eu lhe perguntei como havia arranjado tudo aquilo. Ele me respondeu que não podia dizer, que corria risco de morte se contasse e me mandou "dar o fora antes que fosse tarde". Eu não procurei confusão, apenas voltei para onde antes estava e me sentei, observando o sujeito.
No dia seguinte, assim que escureceu, ele se levantou e foi saindo, eu o segui, a fim de ver se decobria de onde ele havia tirado o dinheiro que continha. O vi entrar em um beco ao lado de um açougue, havia uma porta nele que dava para dentro do estabelecimento, foi dela que vi sair um cara vestido de açougueiro. Não houve nada incomum até então... Eles conversaram bastante antes que eu visse a peculiaridade na situação. O açougueiro tirou do bolso uma seringa e junto a ela um bolo de dinheiro, ele deu algumas notas e a seringa ao mendigo, parecendo que havia lhe pagado adiantado por algo. Mais tarde descobri que havia sido este mesmo o caso.
Ao ver o mendigo se retirar, eu fui até a porta e bati, esperando ser atendido pelo açougueiro a fim de pedir-lhe emprego, eu não conhecia àquele lugar, talvez precisassem de um funcionário, pensei... O homem me disse que não estava contratando, então citei ter visto o mendigo tratar de negócios com ele e disse ter imaginado ter alguma função que pudessem me empregar.
Assim que falei do que vi, o açougueiro mudou o tom. Voltou atrás e me perguntou se eu aceitaria qualquer serviço, disse precisar de um ajudante para fazer os cortes. Eu, é claro, nem questionei muito os detalhes, apenas aceitei o serviço e disse que faria o possível para não causar arrependimento por ter-me oferecido trabalho. Pouco antes de me convidar para entrar, meu recém nomeado patrão me impôs algumas regras e fez-me jurar que iria segui-las. Eu concordei com tudo, até com a parte de que mesmo que desistisse do trabalho eu não contaria sobre ele a ninguém... Até porquê, como disse ele, caso contrário eu poderia ser sua mercadoria futura.
Esta parte só vim a entender quando fui levado para o meu local de trabalho. Era uma sala pouco iluminada e com uma grande mesa de alumínio para mim usar como apoio e cortar a carne que me seria entregue. O dono do açougue me disse que a mercadoria já iria chegar, e que eu deveria ir afiando as facas e cutelos enquanto esperava, então assim o fiz. Até que alguns minutos depois ele adentrou a sala acompanhado do morador de rua com o qual antes conversava... Eles puseram um grande saco em cima da mesa de cortes e o abriram rasgaram com uma faca, me revelando a mercadoria cuja eu iria cortar.
Eram partes de uma mulher. Eu pude reconhecer isso devido à delicadeza da pele e ao tamanho dos membros... Eu me sentiria um monstro por descrever isso se não fosse pelo fato de saber que concluir àquele trabalho — e a muitos outros — foi algo que fiz por pura sobrevivência. Posso dizer que de imediato, quando vi do que se tratava o emprego, eu pensei em desistir e voltar atrás. Porém, quando sentiu-se ameaçado pela minha desistência, meu patrão retirou seu conjunto de notas do bolso e o expôs à mesa, e ver que depois de quase um ano de miséria eu poderia ter algo melhor, fez-me encorajado e determinado a continuar.
Peguei o recém afiado facão e fiz o que me fora proposto. Comecei esfolando o cadáver, parte por parte, removendo toda a pele e colocando-a em uma panela. Depois cortei tudo em pedaços da maneira que o açougueiro foi me orientando... E quando acabei, me vi satisfeito com o que fizera, pois como disse o meu mais novo patrão: eu levo jeito em esfolar e picar corpos.
Talvez eu tenha me tornado frio, ou talvez eu tenha finalmente me encontrado. O fato é que me acostumei com o trabalho, já estou a algumas semanas nele e, se esta carta chegar nas mãos de minha mãe, tenho um recado para dar a ela:
O estopim para que eu me mudasse para cá se deu a pouco menos de um ano. E eu não o fiz por vontade própria, minha mãe me mandou para cá. O motivo? É o mesmo citado lá em cima, eu não possuir talento, algo que é inadmissível na minha família. Para eles, é como se fosse um castigo, ou um pecado, se assim preferir. "Pobres" coitados, nem imaginam o que seja um pecado de verdade... E muito menos um castigo, como este meu, de viver nas ruas.
Mas, voltando à minha vinda às ruas... Tudo começou durante um jantar em família — daqueles em que até parentes que você não conhece estão juntos a mesa —, com uma discussão. Um tio me perguntou na frente de todos o que eu esperava fazer da vida, e eu, com a mais pura e espontânea sinceridade, respondi não saber. Você deve imaginar o quão grave isto seja para uma família cuja riqueza sempre fora obtida com trabalho duro e talento nato, não é?
Assim que direcionei minha resposta o silêncio tomou conta por míseros 5 segundos na sala inteira, até ser quebrado em conjunto por todos rindo e comentando entre si eu ser a vergonha da família. Não podendo julgá-los idiotas(mesmo que sejam) pois todos presentes no momento eram de pintores a arquitetos bem-sucedidos, eu apenas me levantei da mesa e, após o dito vexame, me retirei para meu quarto.
No dia seguinte minha mãe me abordou pela casa, eu já esperava que isso fosse acontecer, mesmo que quisesse eu jamais teria como fugir dela. O que eu não esperava, era que a razão da abordagem fosse algo além de me xingar por tê-la feito "envergonhada" perante a família. Mas, você e eu sabemos que foi.
Ela começou me dando broncas por não ter nem sequer me despedido dos convidados. Ter sido insolente, segundo ela. Eu ouvi calado, não havia o que discutir, e se me atrevesse a isso, eu temia que ela fizesse algo pior — como me colocar para fora de casa. Irônico, não? Mas após muitas frases dispensáveis e desnecessárias de se ouvir, ela finalmente falou algo que me causasse alguma reação diante dos xingamentos.
— Você não escreve; não pinta; não sabe mexer com eletrônica; com tecnologia; não sabe cantar; não sabe atuar... Você não é bom em nada, não tem nenhum talento, e ainda por cima, não sabe o que vai fazer da vida?! Você já tem 18 anos, pegue suas coisas e arrume onde morar, você é um desgosto para mim. — foram as palavras dela.
É claro que eu não tinha onde morar, mas naquele momento considerei qualquer lugar melhor do que um ambiente onde me exigissem ser o que eu jamais seria. Então voltei meu olhos lacrimejados aos de minha mãe, acenei positivo com a cabeça, e disse que iria arrumar minhas coisas. Mas ela me negou isso, dizendo que dali em diante, eu deveria eu mesmo obter meus bens. Eu não sei o que ela esperava com isso, se era que eu implorasse por misericórdia ou que me objetivasse a dar a volta por cima para mostrar a ela que estava errada, mas eu dei meia volta e sai pela porta da frente, com um único objetivo, muito diferente do qual ela esperava... O objetivo de nunca mais voltar.
Desde então vivi nas ruas, de calçada em calçada, de esmola em esmola... Mas em pouco tempo as moedas doadas gentilmente por cidadãos de bem passaram a não suprir minhas necessidades. Me vi magro, sujo, esquelético... me vi me tornar como aqueles aos quais poucos meses antes eu podia dizer levarem uma vida contrária a minha. Virei um verdadeiro mendigo, e quando percebi isso, senti-me com o ego ferido.
— O que eu estou fazendo aqui? Dando à minha mãe a certeza de que estava certa?... Eu posso ter mais do que isso, eu vou. — assim pensei.
E no dia seguinte a este pensamento positivamente decidido, fui de estabelecimento em estabelecimento, à procura de algum serviço. Mas tudo o que consegui foram olhares de nojo, olhares de desprezo, olhares iguais aos de minha mãe para mim antes de minha ida às ruas. Mesmo que eu não estivesse - e não estava, é claro - apresentável, porquê as pessoas se importavam tanto com isso? Eu pedia trabalho, era alguém justo... Só isso já era o suficiente para se imaginar que eu faria por merecer. Mas infelizmente o mundo de hoje para muitas pessoas não funciona assim.
Passei dias insistindo na ideia de encontrar emprego. Mas quando se vive nas ruas, se vê de tudo... E algo que eu vi me fez desviar desse plano justo de trabalhar, e fez-me um verdadeiro criminoso. Eu vi um outro mendigo sentado na calçada do outro lado da rua. Estava escuro, já era noite, a rua estava vazia pois era pouco movimentada naquele horário. Ele contava notas de 10, de 20, de 50 dólares... Me questionei onde ele havia arranjado tudo aquilo, mas questionar a mim mesmo não responderia à pergunta em questão, então decidi me aproximar e perguntar a fonte daquela grana toda, pois de esmolas eu sabia que não havia de ser. Quando cheguei próximo a ele para conversar, ele me olhou rapidamente enquanto guardava o valor que eu imaginava ter sido roubado.
— O que cê quer? — ele me perguntou com um sotaque caipira.
Então eu lhe perguntei como havia arranjado tudo aquilo. Ele me respondeu que não podia dizer, que corria risco de morte se contasse e me mandou "dar o fora antes que fosse tarde". Eu não procurei confusão, apenas voltei para onde antes estava e me sentei, observando o sujeito.
No dia seguinte, assim que escureceu, ele se levantou e foi saindo, eu o segui, a fim de ver se decobria de onde ele havia tirado o dinheiro que continha. O vi entrar em um beco ao lado de um açougue, havia uma porta nele que dava para dentro do estabelecimento, foi dela que vi sair um cara vestido de açougueiro. Não houve nada incomum até então... Eles conversaram bastante antes que eu visse a peculiaridade na situação. O açougueiro tirou do bolso uma seringa e junto a ela um bolo de dinheiro, ele deu algumas notas e a seringa ao mendigo, parecendo que havia lhe pagado adiantado por algo. Mais tarde descobri que havia sido este mesmo o caso.
Ao ver o mendigo se retirar, eu fui até a porta e bati, esperando ser atendido pelo açougueiro a fim de pedir-lhe emprego, eu não conhecia àquele lugar, talvez precisassem de um funcionário, pensei... O homem me disse que não estava contratando, então citei ter visto o mendigo tratar de negócios com ele e disse ter imaginado ter alguma função que pudessem me empregar.
Assim que falei do que vi, o açougueiro mudou o tom. Voltou atrás e me perguntou se eu aceitaria qualquer serviço, disse precisar de um ajudante para fazer os cortes. Eu, é claro, nem questionei muito os detalhes, apenas aceitei o serviço e disse que faria o possível para não causar arrependimento por ter-me oferecido trabalho. Pouco antes de me convidar para entrar, meu recém nomeado patrão me impôs algumas regras e fez-me jurar que iria segui-las. Eu concordei com tudo, até com a parte de que mesmo que desistisse do trabalho eu não contaria sobre ele a ninguém... Até porquê, como disse ele, caso contrário eu poderia ser sua mercadoria futura.
Esta parte só vim a entender quando fui levado para o meu local de trabalho. Era uma sala pouco iluminada e com uma grande mesa de alumínio para mim usar como apoio e cortar a carne que me seria entregue. O dono do açougue me disse que a mercadoria já iria chegar, e que eu deveria ir afiando as facas e cutelos enquanto esperava, então assim o fiz. Até que alguns minutos depois ele adentrou a sala acompanhado do morador de rua com o qual antes conversava... Eles puseram um grande saco em cima da mesa de cortes e o abriram rasgaram com uma faca, me revelando a mercadoria cuja eu iria cortar.
Eram partes de uma mulher. Eu pude reconhecer isso devido à delicadeza da pele e ao tamanho dos membros... Eu me sentiria um monstro por descrever isso se não fosse pelo fato de saber que concluir àquele trabalho — e a muitos outros — foi algo que fiz por pura sobrevivência. Posso dizer que de imediato, quando vi do que se tratava o emprego, eu pensei em desistir e voltar atrás. Porém, quando sentiu-se ameaçado pela minha desistência, meu patrão retirou seu conjunto de notas do bolso e o expôs à mesa, e ver que depois de quase um ano de miséria eu poderia ter algo melhor, fez-me encorajado e determinado a continuar.
Peguei o recém afiado facão e fiz o que me fora proposto. Comecei esfolando o cadáver, parte por parte, removendo toda a pele e colocando-a em uma panela. Depois cortei tudo em pedaços da maneira que o açougueiro foi me orientando... E quando acabei, me vi satisfeito com o que fizera, pois como disse o meu mais novo patrão: eu levo jeito em esfolar e picar corpos.
Talvez eu tenha me tornado frio, ou talvez eu tenha finalmente me encontrado. O fato é que me acostumei com o trabalho, já estou a algumas semanas nele e, se esta carta chegar nas mãos de minha mãe, tenho um recado para dar a ela:
Você disse que eu não era bom em nada mamãe... disse que eu não tinha nenhum talento... bobagem! Eu tenho um talento raro, sou ótimo em picar corpos, e espero um dia poder picar o seu.
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