O Observador

  Já havia umas duas semanas que ele me observava. Por um lado, era desconfortável; por outro, era intrigante. Tudo começou em um dia normal de escola, quando ao me virar para analisar a sala de aula — aquilo que às vezes fazemos quando estamos com tédio ou quando está havendo um debate (como era o caso naquele dia) — ao passar meus olhos por ele, me obriguei a voltar e fixar o olhar no sujeito.

  Ele estava me olhando...

  Poder-se-ia considerar algo normal se fosse um olhar momentâneo, mas eu sabia que não era. Ele estava fazendo isso faz tempo e essa era a explicação para pouco antes eu ter me sentido incomodada a ponto de voltar minha atenção à conversa da turma, a fim de acalmar um pouco da minha inquietude.

  Assim que fixei meus olhos nele, ele fez um aceno com a cabeça, como se fosse um cumprimento, envergonhado por eu tê-lo visto me observar. Eu não acenei de volta, estava envergonhada demais para fazer isso... então apenas olhei para o lado, sem graça e pensativa. Não o vi mais naquele dia, a aula toda. Talvez por vergonha do flagrante, tenha se escondido atrás dos colegas ou talvez, dali em diante, meu delírio já houvesse começado.

  Mas o fato é que no dia seguinte, me ocorreu a mesma coisa: o flagrei me olhando. No dia seguinte desse dia, também. E no outro. E no outro. E no outro... E assim foi por mais de uma semana, apenas olhares. Olhares flagrados por meu desconforto, minha sensação de estar sendo observada. Sensação  que foi ficando cada vez mais intensa e concreta, devido a sempre acabar dando lugar à certeza de que estavam me olhando. À certeza de que ELE estava me olhando.

  O tempo foi passando, e na sala foram surgindo conversas impossíveis de não se ouvir, dele com seus amigos. Conversas que incluíam frases de seus amigos, do estilo: "Você não vai falar com ela?", "Vai deixar para falar com a mina quando acabar as aulas?" etc. Ele não dizia nada, e as mesmas coisas, julgo "rotineiras", se repetiam no dia seguinte.
Os olhares, o flagrante, e o aumento do meu delírio.

  O olhar dele era vidrado, seus olhos escurecidos tornavam tais olhares ainda mais bizarros. Até que um dia, veio a torná-los assustadores. Começou a ser um olhar mais psicótico... Eu já estava a ponto de perguntar a ele qual era o problema, mas até isso me assustava. Talvez, na verdade, eu não fosse querer saber qual era.

  Até que um dia, após a aula, enquanto eu voltava para casa com uma amiga, algo bem incomum me ocorreu. Enquanto caminhávamos na calçada, um veículo se aproximou de mim e seguiu-me, lado a lado, me acompanhando em velocidade controlada de acordo com a minha. Quando percebi, olhei para o lado, para dentro do carro; e mesmo com os vidros fumê, pude perceber a sombra de algumas pessoas no banco de trás, eram garotos. A primeira coisa que veio à minha mente foi a imagem dele, do seu olhar vidrado e psicótico. A imagem do garoto que me observava. O carro acelerou assim que percebi a presença dos rapazes e, naquele dia, tomei a decisão de perguntar ao garoto da minha sala qual era o problema e/ou o porquê de ele tanto me observar.

  Um pouco amedrontada e temendo o motivo não ser bom, no dia seguinte, levei uma faca para a escola. Era para prevenção, caso eu corresse algum perigo, eu estava tão assutada com aquilo tudo...

  Assim, após a aula, chamei o rapaz e perguntei o motivo de tanta observação, o porquê de ele tanto me olhar. Em seu primeiro movimento brusco, antes mesmo que ele me respondesse, por puro reflexo e delírio excessivo, finquei-lhe a faca. Seu peito sangrou, ele caiu de joelhos, enquanto eu me arrependia... e até seu último suspiro, seu último segundo, ele continuou me olhando.


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