A Impostora [Parte 4]

  Saí do quarto e fui atrás de mamãe, temendo a ela ter saído para me denunciar. Mas assim que desci as escadas ― que davam diretamente para a sala, onde ficava a porta de saída ― pude ver sua silhueta no escuro da rua, iluminada somente pela luz da nossa sala de estar, levando um cigarro à boca e soprando fumaça pela área inteira. Ela parecia pensar em algo.
  Suspirei de alívio ao saber que ela estava em casa. Não queria ter que matar mamãe... Só de cogitar essa ideia meu coração já batia mais rápido. Afinal, era por sua causa que eu estava naquela situação; era para vê-la viva e tê-la por perto que eu havia me submetido àquilo. O que ela faria se soubesse que sua tão amada filha(Nicolle) está morta? Ela não suportaria viver com esta dor... tenho certeza que não suportaria. 
  Naquela hora me veio em mente uma pergunta no mínimo intrigante sobre todo àquele circo que eu criara para receber afeto e poupar minha mãe de sofrimento materno: O que mamãe diria se soubesse que Nicolle está morta e eu viva me passando por ela? No mesmo instante eu soube da resposta... Ela colocaria a culpa em mim. Diria que eu que convencera Nicolle a ir à festa de formatura; Que eu que havia sido irresponsável e deixado Steven dirigir embriagado; Diria que eu a decepcionara mais uma vez.
  Mamãe estava de costas para a porta, então um pouco nervosa e hesitante fui me aproximando a fim de tentar falar com ela. Eu queria saber no que ela estava pensando... se tinha a ver comigo atrás das grades, internada em um manicômio ou algo do tipo. Mas quando eu estava prestes a tornar minha aproximação visível a ela, seu celular ― que estava no bolso da jaqueta ― tocou e ela atendeu ligeiramente. Percebi que já esperava tal ligação. 

― Eu sei. ― [?] ― Sim, eu sei... ― [?] ― Droga, Brian! É claro que é urgente, se não fosse eu não teria ligado!...

  Brian é o nome de papai, então percebi que a ligação era dele, principalmente pelo fato de papai sempre nos adverter sobre ligar para ele durante seu horário de trabalho. Depois disso ela ficou um bom tempo em silêncio. Até que finalmente voltou a falar:

― Está bem, conversaremos em casa! É sobre Nicolle...

  Ao ouvir isso arregalei meus olhos. Pior do que ligar para a polícia e contar sobre o diário, era falar para papai. Meu pai raramente interfiria para resolver algum assunto na nossa família, mas quando o fazia... Era assustador. Ele era muito rígido quando tinha que tomar as decisões. 
  Acabei por desistir de falar com mamãe e subi para o meu quarto. Eu precisava ler todo o diário logo e saber exatamente por quais razões seria julgada naquela "reunião familiar" de última hora. 
  Assim que abri novamente o "caderno", percebi que grande parte das anotações das datas anteriores à morte de Tracy estavam em branco e muitas não passavam de relatos comuns de uma garota apaixonada, não continham nada de importante. Então comecei a folhar apartir da página que já havia lido antes e ― como de se esperar ― haviam mais relatos surpreendentes de minha irmã.
 
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19/03/2017

  Fui ver David. Fui usando luvas, assim como fiz quando fui ver Tracy (e matá-la. HaHaHa). Graças ao bom e velho inverno americano que obriga as pessoas a se aquecerem bem para sair, eu estar de luvas não chamou a atenção de ninguém e nem resultou em olhares desconfiados. Espero que a polícia não suspeite de mim também, tomara que ninguém tenha me visto sair da casa de Tracy dois dias atrás e nem da de David hoje. Fui cuidadosa, mas nunca se sabe quando pode haver algum vizinho fofoqueiro à espreita para contar que viu você em determinada hora e em determinado lugar. Estou contando com a sorte.
  Quando cheguei na casa de David ele ficou surpreso e me beijou intensamente. Coitado... Deve ter pensado ser uma visita formal como às vezes eu fazia. Poderia ter sido, se ele não estragasse tudo sendo um completo babaca por querer bancar o pegador. Depois do beijo ele ainda teve a cara de pau de me perguntar se eu já estava sabendo da morte de Tracy... Notícias "ruins" chegam rápido, não é?!
  Ele estava assistindo um filme na TV quando eu bati na porta... Então depois de conversarmos um pouco sobre o assassinato de Tracy e ele me tratar como uma tremenda idiota ― como se tivéssemos algo especial e eu não soubesse de nada sobre ele e a vadia recém falecida ―, David me convidou para assistir o filme com ele e dormir em sua casa. Aceitei de imediato, e fiz a atuação perfeita de uma "côrna" mal informada. Nos sentamos no sofá, peguei uma almofada, coloquei-a em seu colo e deitei minha cabeça no colo dele para assistir o filme. 
  Depois de alguns minutos, assim que vi que estava entretido o suficiente, com cautela e com certa hesitação fui retirando o canivete que havia levado do bolso do meu casaco. Quando terminei, ajeitei minha cabeça no colo de David de modo que pudesse visualizar todo seu rosto e chamei sua atenção... Assim que ele olhou para baixo levantei a mão esquerda ― que estava segurando o canivete ― e cravei o objeto com força em seu crânio, de modo que seu sangue escorreu ligeiramente pelo seu rosto até pingar na minha cara. Eu continuei segurando a arma.
  Ele tonteou por um instante, tempo o suficiente para que eu sussurrasse "Boa noite, David..." e desse tempo dele ouvir. Quando finalmente puxei o canivete de volta e àquele líquido maravilhosamente vermelho jorrou do buraco recém aberto diretamente para meu rosto, lavando-o, David fechou seus olhos para nunca mais abrir. 
  Assim que terminado o "trabalho", me apurei a lavar o rosto para ir embora. Está chovendo hoje o dia todo, então a rua estava completamente vazia na volta para casa. Gostei do dia de hoje, tentarei ter outros como este em breve.

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  Depois de ler isso comecei a folhar rapidamente as páginas seguintes, a fim de ver se ainda haviam muitas anotações com as quais eu devesse me preocupar. Quando passei as folhas em branco ― os dias após o acidente, quando ela não estava mais viva para escrever no diário ― e cheguei na última página do caderno, me deparei com uma lista de nomes. Ao que parece, eram os nomes das pessoas que ela ainda pretendia matar. E adivinha quem estava entre eles?

Mamãe
Papai
E Steven

  Percebi então, que para ela matar nossos pais não era [mais?] apenas uma ideia comentada durante uma brincadeira. E sim... uma meta.


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