Os Monstros

  Quando pequeno, eu tinha muito medo de existirem monstros debaixo da minha cama... Meu irmão mais velho sempre ria de mim e me botava ainda mais medo dizendo que eles realmente existiam. Toda vez que apagávamos a luz para dormir, ele se deitava e me dizia para dormir logo, pois caso dormisse antes de mim, eu não teria ninguém para me proteger se algum monstro aparecesse. Mamãe e papai sempre o ordenavam que parasse de me assustar, mas ele não ligava, deveria achar engraçado me pôr medo...
  Sempre que meu irmão falava essas coisas, eu fechava meus olhos imediatamente e me escondia debaixo das cobertas. Você sabe como são as crianças, né? Acham que debaixo das cobertas estão invisíveis e protegidas caso algo ou alguém queira lhes fazer mal. Inocência infantil... Sinto falta da minha!
  Quando estava debaixo das cobertas e meu irmão já dormia, muitas vezes eu ouvia o som de estralos pelo quarto... Era como se alguém caminhasse por ele ou mexesse em algum móvel, fazendo ruídos quase inaudíveis, mas que graças ao silêncio da noite e ao fato de estarem todos dormindo, eu conseguia ouvir. E era o suficiente para que eu me assustasse ainda mais e desse razão às palavras de meu irmão de que eu deveria dormir antes dele.
  Certa noite, eu e meu irmão esquecemos a janela do quarto aberta. Eu ouvi estralos pelo assoalho, mas no dia anterior minha mãe havia me dito que esse barulho acontecia por causa do calor que havia durante a tarde, então não liguei muito naquela noite. Eu confiava nas palavras de mamãe e por causa delas consegui ter uma noite bem tranquila... Mas foi apenas uma noite, pois de manhã fui acordado por gritos de meus pais pelo nosso quarto.
  Ao abrir meus olhos após um grito agudo de mamãe me acordar, me deparei com ela chorando ao lado da cama do meu irmão com as mãos levadas ao rosto. Não demorei muito para me sentar na cama ligeiramente e enxergar o motivo da gritaria. Era meu irmão...
  Papai entrou correndo no quarto por causa do grito de mamãe e foi o segundo a se desabar a chorar. Eu recém tinha acordado, estava processando tudo o que estava acontecendo ainda, então demorei um pouco para me entristecer com o ocorrido... Mas a primeira coisa que veio à minha cabeça quando vi o corpo estripado de meu irmão na cama e aquele sangue todo à sua volta, foi que eu não deveria ter dado ouvidos à explicação de mamãe e ignorado os estralos da noite anterior.
  Havia uma certa ironia naquilo tudo, então ao invés de chorar, eu ri. Meus pais ficaram assustados comigo e até quiseram me bater, mas eu não tinha culpa, era irônico lembrar de meu irmão apagando a luz e dizendo "Durma rápido, porque se eu dormir antes de você e um monstro nos visitar, eu não poderei te proteger...". Afinal, o contrário acabou acontecendo: eu dormi primeiro, o monstro atacou ele e eu que não o protegi.
  Fui levado à um psicólogo e um psiquiatra depois daquele dia. Na maioria das consultas as conversas eram sobre como eu me sentia diante do que havia acontecido, o que eu pensava sobre àquilo e coisas do tipo. Depois da morte do meu irmão, eu tinha uma crença total de que monstros existiam e por causa dela muitas vezes a psicóloga e a psiquiatra me advertiram de que eu tinha que mudar esse pensamento.
  Meus pais começaram a ficar bem distantes de mim naquela época... Receio que isso tenha começado por causa da minha risada ao ver meu irmão morto, parece que eles não ligaram para eu ter chorado mais tarde, só haviam se preocupado com a parte de eu ter achado algo engraçado naquele cenário todo. Quando criança eu não entendia porquê eles se importavam tanto com isso, as médicas me diziam que era porque eles se preocupavam com minha saúde mental, mas eu sequer entendia o que significava isso. Comecei a entender à pouco, quando eu também comecei a me preocupar com minhas ações.
  Um dia fui convidado para a festinha de aniversário da minha amiga... Quando recebi o convite fiquei bem feliz, mas mamãe e papai não quiseram que eu fosse. Acho que ainda estavam magoados com o que diziam que eu havia feito na semana anterior, mas eu não me lembrava de ter feito nada daquilo, achava injusto ser punido por algo que não sabia se realmente havia feito.
  Eles diziam que eu que havia matado nosso gatinho depois que ele me arranhou... Eu jamais faria isso com um animal, mas eles disseram que tinham provas de que havia sido eu, então não discuti muito, só obedeci à ordem deles de que ninguém deveria saber daquilo (principalmente a psicóloga e a psiquiatra). Mamãe me disse que talvez fosse um acidente, mas papai não parecia acreditar na mesma coisa que mamãe...
  Quando papai e mamãe não me deixaram ir à festa eu fiquei bem aborrecido, não falei com eles o dia todo... Fui dormir sentindo uma mistura de raiva e mágoa pelos meus pais não confiarem em mim. No dia seguinte, depois que me levantei percebi que a casa estava tomada de silêncio, pensei que papai estava trabalhando e mamãe no quarto, então fui até lá chamar ela para fazer café da manhã para nós... Mas quando abri a porta, me deparei com os dois deitados na cama cobertos de sangue, papai com uma facada na cabeça e mamãe com várias no peito, toda ensanguentada.
  Corri pela casa e peguei o telefone para chamar a polícia. Quando eles chegaram me encheram de perguntas, respondi tudo e acabei sendo levado para a casa da minha tia. Fiquei alguns dias por lá, até que a polícia nos visitasse novamente e eu fosse trazido para cá... Fui acusado de ter assassinado meus pais e suspeito de ter feito o mesmo com meu irmão. Depois de anos reabriram o caso dele...
  A única coisa que eu dizia é que tinha certeza de que quem havia matado meu irmão não era humano e muito menos eu, mas sim, um monstro... Muitos médicos conversaram comigo quando cheguei aqui no manicômio, todos eles me diziam que monstros não existiam e que eu tinha que aceitar isso e assumir a responsabilidade pelo o que havia feito, mas eu não dava ouvidos a eles, eles não tinham bons argumentos que sustentassem o que diziam.
  Mas um dia, um outro médico falou comigo e me fez ver tudo de uma outra forma... Ele me diagnosticou como tendo uma segunda personalidade e quando falei dos monstros para ele e disse que não havia feito àquilo com meu irmão, ele me disse que acreditava em mim... Ele me falou que havia um outro eu e que ele que havia feito tudo àquilo com meus pais, e talvez com meu irmão também. Eu disse para ele sobre os monstros e disse o quanto temia a eles estarem debaixo da minha cama... Ele riu e me disse uma frase que me fez entender tudo:

Os monstros nunca estiveram debaixo da minha cama. Eles sempre estiveram em cima dela. Na minha cabeça...


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