Escuridão

    Existem pessoas que odeiam o escuro, que só dormem com alguma luz por perto, mesmo que pequena, só para iluminar um pouco o quarto. Geralmente, é porque elas têm medo do escuro, ou porque se sentem incomodadas com a escuridão. Em alguns casos, é até as duas coisas. Algumas eu sei que é porque veem coisas quando as luzes se apagam, coisas que elas não sabem diferenciar se são reais ou se não passam de sua mente pregando peças e criando cenários imaginários.

  Eu mesmo já fui este tipo de pessoa. Mas, hoje em dia, eu gosto do escuro. É claro, assumo que quando pequeno o detestava profundamente por inúmeras razões, e a principal delas era o fato de que nele eu me tornava indefeso diante dos meus medos. Quando apagava as luzes e me deitava para dormir, enquanto não pegava no sono eu via vultos... pessoas que não tinha como estarem no quarto me olhando; que não tinha como estarem no meu quarto porque já estavam mortas, enterradas embaixo de quilos de terra e que, a julgar pelo tempo, deveriam ser só ossos, ou nem isso mais. Mas eu as via, as via inteiras (ou pelo menos as partes que ainda restavam delas). E por mais que tentasse ignorar, que me deitasse e fechasse os olhos imediatamente antes mesmo de elas aparecerem, havia sempre algum barulho no quarto, um estalo ou uma respiração quente perto de mim que me fazia abrir os olhos... E quando abria, lá estavam elas novamente: silhuetas negras de olhos brilhantes, estalados na minha direção, me encarando...

  Mas, havia noites em que eu não via nenhum vulto. Era raro, mas às vezes acontecia de eu não ver ninguém depois que apagava as luzes... Só que, em compensação, alguma outra coisa me atormentava: às vezes, pesadelos estranhos; outras vezes insetos caminhando pelo meu corpo e minha cama, me fazendo levantar rapidamente e acender a luz, até ver que não havia nada.

  E foi assim por muito tempo... No começo, eu contava para os meus pais o que via no escuro ou sonhava durante a noite, mas eles nunca acreditavam em mim e sempre diziam que eram sonhos ou minha mente criando coisas por conta dos filmes que eu costumava ver, vez ou outra, com meus irmãos. Tentei dar ouvidos a eles por algum tempo, mas quanto mais tentava ignorar o que acontecia, mais as coisas pioravam.

  Tempo depois de começar a ignorar as ocorrências, aproximadamente lá pela minha pré-adolescência ou adolescência, os mortos começaram a tentar outro tipo de contato comigo. Eu passei a ouvir gemidos, pedidos de ajuda, a sentir odores e a sonhar com tragédias e desconhecidos... Era como se eles estivessem apelando para todos os meus sentidos, esperando que eu fizesse algo. E não tardou muito para eu decidir fazer.

  Para tentar entender o porquê de os mortos me procurarem, passei a usar as informações que me eram dadas por eles através de sonhos, busquei identificar os odores que eles faziam surgir quando apareciam para mim e tentei desvendar seus sussurros... e, dessa maneira, posso dizer que tive êxito em me livrar de muitos deles.

  Descobri corpos para a polícia local, entendi pendências que faziam com que algumas almas permanecessem neste plano e aprendi a diferenciar entidades demoníacas de fantasmas comuns (sem saber, quando pequeno, eu era visitado pelos dois tipos). Evoluí minha mediunidade ao máximo que pude e, quando ingressei em uma faculdade, foi para entrar para a polícia. Quando entrei, foi por conta da mistura dessas duas coisas - minha mediunidade e meu trabalho - que aprendi que, na maioria das vezes:
“ Não devemos ter medo dos mortos que se escondem na escuridão, mas sim, da escuridão que se esconde dentro dos vivos. ”


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