Um Sorriso

  Lorena era uma boa esposa. Cuidava da casa, do nosso filho, das contas... Fazia tudo sem reclamar e com um sorriso no rosto, por mais difícil que fosse. Ela era incrível, mas as coisas começaram a desandar quando ela aceitou um emprego novo no centro da cidade. O trabalho era atender em um restaurante, muitos homens almoçavam lá, desde grandes empresários à pequenos empregados. 
  Certa vez decidi almoçar naquele lugar, fui sem aviso mesmo, pois queria conhecer onde minha esposa trabalhava e como era um pouco da sua rotina de trabalho. Em poucos minutos sentado em uma das mesas, a avistei atendendo à outros clientes. Sempre com aquele sorriso no rosto, parecendo um convite para elogios, um tremendo esbanjamento de simpatia.
  Não demorou muito para que eu ouvisse um homem de uma mesa em que ela estava atendendo pedir seu telefone. Era claro que ele estava dando em cima dela, eu já tinha visto aquele tipo de situação antes, eu já havia sido aquele tipo de homem anos antes de nos casarmos.
  Fui dominado por ciúme e ódio ao ver aquela cena, então levantei da mesa e saí para esfriar a cabeça. E aquele acabou sendo o último dia em que a vi... O último dia em que a vi viva. 
  Lorena desapareceu naquela mesma noite, e semanas depois seu corpo foi encontrado em um lago por pescadores. Estava envolta em um lençol rasgado e amarrada com uma corda... haviam sinais de estrangulamento em seu pescoço e marcas de briga em seu corpo todo.
  Após seu desaparecimento, antes de ser encontrada eu a vi algumas vezes. Na primeira, me visitou de madrugada em nossa cama. Fui acordado de um cochilo ao sentir o peso de mais alguém sobre a cama. Era ela... com seu pescoço marcado, um olhar frio e a boca se movendo como se tentasse dizer algo mas não conseguisse. Tinha um olhar profundo, um olhar sombrio, como se com a morte tivesse descoberto toda a maldade do mundo. Ficou pouco tempo me encarando, eu não demorei a ligar a luz fraca do abajur para vê-la desaparecer no escuro.
  Na mesma semana, a vi de novo entrando no quarto do nosso filho, deixando suas pegadas molhadas no piso de madeira à medida em que caminhava. Nessa segunda vez que a vi estava um pouco mais magra e sua expressão não era mais fria, era triste, muito diferente de quando viva.
  As demais vezes em que a vi me fizeram sentir falta da antiga Lorena. Ela foi ficando cada vez mais apagada, triste, com uma aura depressiva e pesada a acompanhando sempre que aparecia. Era como se estivesse morrendo pela segunda vez, como se mesmo depois de morta tivesse adoecido.
  A última vez que a vi foi na noite em que encontraram seu corpo. Parecia zangada, sua expressão triste estava fria novamente, mas não fria como da primeira vez... Era um olhar maligno, um olhar de fúria. Ela chegou até a mover alguns objetos na minha direção, alguns quebraram ao se chocarem contra a parede, um desses foi um porta-retrato com uma foto de nós dois abraçando nosso filho. Ela só foi embora depois de ver o que havia feito... Quando viu o porta-retrato, sentou-se ao chão chorando e desapareceu pela última vez.
  Depois que o corpo dela foi encontrado seu fantasma nunca mais apareceu para mim. Acho que finalmente descansou em paz com a minha condenação. Decidi me livrar do corpo pois o cheiro estava tornando-se insuportável no meu porão, poderia me causar problemas com os vizinhos. Agora aqui estou eu, atrás dessas grades sem ver meu filho e sem minha liberdade. Eu devia tê-la enterrado no quintal de casa como cogitei. 

*A fita termina com o condenado sorrindo.*

28 de novembro de 2020 - 22:36.
Confissão de James Gartman.
ARQUIVO PENAL.




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